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5 barreiras que eu encontrei para ser gerente


Será que é possível ser líder e prete no mercado de tecnologia?

Olhando a realidade das empresas atuais eu diria: não. Vá nas redes sociais de qualquer empresa com mais de 150 funcionários e veja alguns rostos pingados (quando existem) de pessoas negras em meio a um mar de brancos! 


Normalmente, além de muitos brancos, estas empresas e principalmente as lideranças são predominantemente masculinas e isso não me impediu de ocupar estes lugares, no entanto, não posso dizer que foi tudo fácil e evidente.


De cara, já havia um grande desafio: o racismo estrutural não nos coloca na liderança. Constantemente, negros ocupam cargos de aprendiz, assistente e analista. Conforme a gente observa pessoas em cargos mais altos na hierarquia, menos negros encontramos.


No Brasil, apenas 6,3% das pessoas com cargo de gerente nas grandes empresas são negras. Ora, este era exatamente o cargo que eu almejava ocupar há 10 anos quando começava minha carreira, porém eu me perguntava se haveria mesmo alguma chance para mim, quando olhava para o lado e nos escritórios onde trabalhava só haviam faxineiras e copeiras que eram negras. As demais pessoas, e principalmente os gerentes, eram todos brancos e em sua maioria homens.

Bem, eu elenquei 5 barreiras que eu encontrei para chegar na gerência e como lidei com elas. Estas foram minhas barreiras:


Barreira 1 - Pertencimento

Talvez a mais difícil. Meu primeiro emprego foi num prédio comercial muito chique e imponente no Morumbi. Eu estava começando a cursar publicidade, fiz a entrevista e passei. No primeiro dia de emprego, meu chefe me chamou para ir no shopping na hora do almoço, eu achei que era pra resolver algo, mas era só para ele me comprar camisa, calça social, blazer e sapato. Eu fiquei grata pela atitude dele, mas isso me fez sentir impróprie.

Outras coisas me lembravam que eu não pertencia àquele lugar. Ao meio dia eu sentia o cheiro da comida das outras pessoas do andar: todas compradas na região e fresquinhas. Mas minha comida era trazida de casa, numa vasilha de plástico dessas de 1 real, que minha mãe enrolava num pano de prato e colocava numa sacola de mercado para não vazar. Eu não tinha uma bolsinha bonitinha estampada de marmita. Eu sentia vergonha de tudo isso e esperava a copa esvaziar às 14h para ir comer sem que ninguém visse.

Isso tudo me deixava com medo de errar, porque estar ali era uma oportunidade única, eu não poderia perder essa chance de ter um trabalho. Não podia ser julgada, ninguém podia saber minha verdadeira "identidade". Tinha sentimento de estar muito abaixo do que as demais pessoas estavam.


Como eu lidei:

Demorei para conseguir, mas o primeiro passo foi deixar de ter vergonha de onde eu vim. Parar de mentir e contar o nome do meu bairro, além da profissão dos meus pais que é muito perguntada no ambiente de trabalho. Passei a aceitar que eu seria julgade de qualquer maneira, e principalmente, trabalhar a culpa que eu sentia por gostar cada vez mais dos lugares chiques e pessoas ricas com quem eu convivia. Minha arma foi entender, depois de muito tempo, que eu não pertencia somente à periferia e minha antiga escola pública estadual. Eu pertencia à periferia, mas aqueles trabalhos chiques e meus cargos também me pertenciam. As comidas que eu comia, desde a marmita de 1 real até os almoços mais caros conforme fui subindo de cargo, me pertenciam. Eu aceitei que eu gostava daquele espaço, olhei com muito carinho para o meu passado e passei a afirmar quem eu sou, de onde vim, onde estou e para onde eu quero ir, sabendo que em todos esses espaços eu era a mesma pessoa e tudo aquilo me pertencia também.


Barreira 2 - Definir meu objetivo

Uma segunda barreira era aquela pergunta clássica: como você se vê daqui 5 anos?

No início, eu não sabia responder. Não tinha aprendido a pensar que uma carreira era mutável, afinal meu pai era motorista de transportadora há 20 anos, minha mãe era atendente de telemarketing há 12, meus tios e tias sempre tiveram o mesmo emprego também há muitos anos.

Emprego para mim era isso: consiga o MILAGRE da contratação e depois não faça nada errado para não ser demitide.

No entanto, eu cheguei no mercado de trabalho e descobri coisas como PDI, promoção, aumento de salário, avaliação de desempenho, viagens de trabalho, MBAs e todas as coisas que tratam do desenvolvimento de carreira. Isso para mim foi um choque! Porque eu tinha espaço e incentivo para mirar alto e "levantar a barra" como dizem, mas ao mesmo tempo os modelos mentais familiares me diziam para ficar na minha e só fazer o meu trabalho, para não perder meu ganha pão.


Como eu lidei:

Talvez eu tenha sido visto como um tanto quanto arrogante, mas desde que eu entendi que podia controlar a minha própria carreira, eu defini que não iria apenas "servir" meus chefes e empresas, mas que elas também estavam ao meu serviço, colaborando para o meu crescimento pessoal. Não tinha clareza da ousadia que isso significava, mas adotei (de maneira intuitiva) 3 princípios de crescimento:

  1. Dizer alguns nãos para meus empregadores, caso eles estivessem me pedindo para fazer algo que ia contra meus objetivos.

  2. Não abrir mão dos meus valores ou de ser valorizade, mesmo que isso tenha me levado a algumas demissões.

  3. Construir e seguir meu PDI (Plano de Desenvolvimento Individual). 

O PDI, muitas vezes visto como falácia ou perda de tempo, foi meu principal instrumento e eu vou guardar meus pensamentos sobre isso para uma próxima publicação. Mas posso afirmar, de maneira objetiva, que ele me deu o controle e orientação que eu precisava para não passar os anos no lema "deixa a vida me levar", do Zeca Pagodinho.

Definir e estabelecer estes princípios não foi fácil, e enfrentei muitos sentimentos de medo de: parecer preguiçosa, de ficar sem emprego e de ser ingrata com meus empregadores. Por fim, se não fossem eles, eu teria aceitado muitas coisas que me fariam mal, e talvez eu fosse uma pessoa frustrada e estagnada com a própria carreira.


Barreira 3 - Me preparar para atingir meu objetivo

Certo, eu já tinha um objetivo, mas eu me perguntava "Será que eu sou capaz de ocupar este lugar ou simplesmente sou mão de obra mais barata?"

Você sabia que a diferença salarial entre brancos e negros ainda é significativa e pessoas negras ganham 31% menos (quando comparados os salários de brancos e negros com ensino superior, isoladas todas as demais variáveis, sobrando apenas a cor da pele)?

Dizem que a melhor educação do Brasil é privada e as melhores universidades são as públicas. Vim de escola pública e universidade privada. Como vou ser tão boa quanto as demais pessoas (brancas, classe média, maioria homem) de educação exemplar?


Como eu lidei:

Eu precisava ser tão boa quanto ou melhor que as demais pessoas na minha área, tanto para melhorar minha autoconfiança, quanto para eliminar qualquer sombra de dúvidas que pudesse haver contra mim. Para isso, busquei ser excelente em 5 esferas diferentes:

1) Formação - Além de me formar no ensino superior, todos os cursos, leituras, conferências e oportunidades de aperfeiçoamento são sempre uma prioridade para mim, sem dó de pagar ou dedicar meus fins de semana para isso. 

2) Experiências - Já tive oportunidade de trabalhar em diferentes empresas, mas quem escolhia os lugares era eu, porque a imagem delas iria compor a minha imagem depois. Não hesitei em pedir demissão ou encarar as demissões de frente, sempre buscando o que me deixaria mais perto do meu objetivo.

3) Hard skills - Busquei (e continuo buscando) fazer e entender de diferentes temas, com domínio técnico e o exercício de ensinar e aprender com isso. Estudei e estudo até hoje 3 idiomas estrangeiros, e se uma empresa quisesse alguém que falasse inglês, ora, eu falo francês e espanhol também.

4) Soft skills - Acredito que este foi o ponto mais complexo, porque exigiu de mim muito autoconhecimento e abertura para ouvir feedbacks e trabalhar para evoluir. Lembro até hoje do feedback que uma pessoa liderada por mim me deu: "Bia, você precisa desenvolver seu próprio estilo de gestão, eu preciso confiar em você" e no quanto eu trabalhei para evoluir esse ponto. Se você estiver lendo isso, Esther, obrigado por ter me dito isso há 7 anos atrás.

5) Relacionamento - Este ponto eu demorei para perceber que é importante e foi o último que eu desenvolvi. Hoje trato cada relação de trabalho com tanto carinho quanto trato meus amigos porque nossa rede é poderosíssima. Eu achava que só cuidar das pessoas com quem eu me identificava estava bom demais, porque não queria ser "falsa e política", porém depois de um tempo entendi que todas as pessoas que interagimos, sejam colegas, clientes ou fornecedores, todas têm grande poder de nos ajudar ou mesmo de atrapalhar nossas oportunidades e portas abertas. Por isso, hoje cuido muito de cada conexão que eu puder ter.


Barreira 4 - Focar em ter sucesso e não em evitar a demissão

Existia muito medo de ficar sem emprego, porque isso significaria não ajudar a pagar as contas da casa dos meus pais, ou não ajuda-los a conquistar o sonho deles. Dar uma casa para os meus pais fora da periferia era o meu principal motivador de trabalho e eu tinha muito medo de não conseguir.


Como eu lidei:

Percebi que quando saímos "de baixo" não há facilidades para chegarmos onde queremos. Eu assisti meus colegas de faculdade conseguindo trabalho nas empresas de suas famílias, porque uma tia conhecia alguém numa grande agência ou um amigo já trabalhava naquela agência. Enfim, eu percebi que meu caminho para a liderança precisaria ser construído por mim. Busquei manter algumas posturas como:

  • Não conter minhas próprias opiniões

  • Ficar em evidência

  • Conquistar espaço de fala (mesmo em lugares racistas, machistas e LGBTfóbicos)

  • Ser alguém percebide

Sabe aquelas reuniões que as decisões anunciadas são rejeitadas por várias pessoas na sala, mas as pessoas não se pronunciam? Eu era a pessoa que, mesmo com dores de barriga, iria levantar e com a voz trêmula, dizer o que eu pensava. Porque eu via que, por mais que a gente seja incrível, para ser líder a gente precisa ser percebide pelos outros com determinadas capacidades. Algumas que eu posso destacar são:

  • Tomar decisões

  • Se posicionar, expressar opiniões

  • Influenciar e outras pessoas/projetos

  • Assumir responsabilidades

  • Desenvolver outras pessoas

  • Pensar, questionar e construir - não só fazer


Por fim, a barreira 5 - Encarar a sabotagem

Eu sempre pensava "essa empresa é genial, não é para mim" ou mesmo "esse salário é muito alto, não é para mim". Se eu visse uma vaga incrível, de cara procurava qual habilidade eu não tinha, que justificasse o fato de eu não servir para aquilo. Eu não me sentia suficiente.


Como eu lidei:

Comecei a fazer uma autorreflexão constante, diante de cada situação. Meu principal objetivo era simples - saber o que eram sabotagens internas (minhas para mim) e o que eram sabotagens externas (do outro em relação a mim). Quando haviam sabotagens internas, buscava anotar e pensar como faria diferente. Tem várias situações no dia a dia que me causam algum incômodo e quando isso acontecia, eu dedicava um tempo para entender o que aconteceu e como eu agi. Quando eram externas, eu refletia sobre meu poder de mudança daquele espaço e entendia aos poucos se aquele lugar servia para mim. Desse jeito, tudo o que me fosse tóxico eu trabalhava para mudar. Algumas sabotagens externas eu não consegui suportar e mudar, e nesses casos eu saí dessas empresas.

Voilà!

Estas foram minhas principais barreiras. Lidar com elas não foi nada fácil, mas eu consegui. As suas barreiras podem ser diferentes das minhas ou minhas formas de lidar podem não te servir, mas se você está lendo este meu relato, espero que você acredite na sua capacidade pessoal de encarar as suas barreiras e vencer para chegar no seu objetivo, seja lá ele qual for. 

Você consegue!

 
 
 

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